3Corações e Melitta , duas das maiores torrefadoras de café do Brasil, comunicaram reajustes nos preços de seus produtos a partir de 1º de setembro de 2025.
A 3Corações, joint venture entre a brasileira São Miguel e o grupo Strauss (Israel), anunciou acréscimos de 10% no café torrado e moído e 7% no café solúvel. Já a Melitta South America aplicou um aumento ainda mais expressivo: 15% em todos os produtos.
Esse reajuste acontece em um momento de alta pressão inflacionária no setor, impulsionada por diversos fatores:
- Alta acumulada de mais de 20% nos grãos arábica crus só em 2025
- Oscilações climáticas severas no Brasil, maior produtor mundial
- Imposição de tarifas de 50% pelos EUA nas importações de café brasileiro
- Pressão cambial e aumento nos custos logísticos e operacionais
Além disso, os grãos verdes (matéria-prima do café torrado) representam até 40% do custo de atacado, tornando os reajustes inevitáveis para manter a viabilidade financeira das marcas.
Apesar de uma leve retração nos preços no varejo durante agosto, a tendência de alta se reafirma com a nova elevação dos custos dos grãos verdes. O cenário sinaliza um ciclo de aumentos em cadeia, que pode impactar desde o pequeno comerciante até o consumidor final.
Mas o que realmente está em jogo nos bastidores dessa alta generalizada? E como essa movimentação influencia a indústria do café, o mercado consumidor e a economia agrícola nacional? A resposta está a seguir.
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Análise Completa: A Dinâmica Econômica por Trás da Alta no Preço do Café no Brasil

1. Um Mercado em Ebulição: O Brasil Entre Crises Climáticas e Pressão Global
O Brasil ocupa uma posição estratégica no mercado mundial de café. É o maior produtor global e o segundo maior consumidor, atrás apenas dos Estados Unidos. Essa dualidade produzir em escala e consumir internamente, torna o país altamente sensível a oscilações de preço, oferta e demanda.
Nos últimos dois anos, o país tem enfrentado anomalias climáticas severas, como geadas, estiagens prolongadas e variações extremas de temperatura. Essas condições devastaram parte das safras, especialmente nos cinturões cafeeiros de Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo. Como resultado:
- A qualidade dos grãos caiu.
- A quantidade colhida ficou aquém do esperado.
- Os custos para manter a produtividade aumentaram exponencialmente.
2. Pressões Externas: Tarifas, Logística e Conflitos Comerciais
Outro fator que influenciou o aumento de preços foi a imposição de tarifas de 50% pelos Estados Unidos sobre o café brasileiro, uma retaliação comercial que visava reposicionar a cadeia de suprimentos interna do país norte-americano. Essa ação gerou:
- Escassez de grãos em mercados internacionais.
- Um movimento acelerado de estoques brasileiros para exportação.
- Concorrência entre torrefadores globais por matéria-prima.
A cadeia logística também encareceu. O transporte interno, afetado pela alta nos combustíveis e problemas de infraestrutura, elevou o custo do café desde as fazendas até os centros urbanos.
3. Histórico de Reajustes: Uma Escalada Contínua
A movimentação atual das empresas não é isolada. Nos últimos meses, 3Corações e Melitta já haviam promovido outros aumentos significativos:
Data | Empresa | Produto | Percentual de Reajuste |
---|---|---|---|
Dezembro/2024 | Melitta | Todos os produtos | 25% |
Dezembro/2024 | 3Corações | Torrado e moído | 10% |
Janeiro/2025 | 3Corações | Torrado e moído | 11% |
Março/2025 | 3Corações | Torrado e moído | 14,3% |
Setembro/2025 | Melitta | Todos os produtos | 15% |
Setembro/2025 | 3Corações | Torrado e moído / Solúvel | 10% / 7% |
Essa escalada de preços evidencia o encurtamento da margem de absorção de custos por parte das indústrias, que agora repassam os aumentos diretamente ao consumidor final.
4. O Papel dos Grãos Verdes na Formação do Preço Final
Para entender os reajustes, é essencial compreender a composição do custo do café torrado e moído:
- Grãos verdes (arábica ou robusta): aproximadamente 40% do custo.
- Processamento, torrefação e embalagem: 30%.
- Distribuição e logística: 20%.
- Marketing e margem de lucro: 10%.
Logo, qualquer oscilação nos preços dos grãos verdes exerce pressão direta sobre o valor final do produto. Com a cotação do arábica cravando alta de mais de 90% acumulada em dois anos, o impacto no bolso do consumidor é quase inevitável.
5. Reação do Mercado e Comportamento do Consumidor
Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC), o consumidor brasileiro já começou a alterar seu comportamento de compra:
- Busca por marcas alternativas e mais baratas.
- Troca do café gourmet por versões tradicionais ou a vácuo.
- Adoção de marcas próprias de supermercados.
- Redução no volume de compra mensal.
Este movimento de substituição já era perceptível em agosto, quando houve uma queda pontual nos preços do varejo, alimentando uma falsa sensação de alívio. No entanto, com o novo reajuste anunciado, essa tendência se inverte novamente.
6. Projeções para o Futuro: O Que Esperar do Setor Cafeeiro em 2025 e 2026
As previsões para o setor cafeeiro brasileiro permanecem cercadas de incertezas. Especialistas apontam para três cenários possíveis:
Cenário Otimista:
- Normalização climática em 2026
- Estabilização do preço internacional do arábica
- Reversão parcial das tarifas impostas pelos EUA
Cenário Realista:
- Produção com recuperação lenta
- Manutenção de preços elevados até meados de 2026
- Consolidação de marcas de entrada no mercado
Cenário Pessimista:
- Nova quebra de safra por causas climáticas
- Aumento contínuo das tarifas de exportação
- Êxodo de pequenos produtores por inviabilidade econômica
7. Impactos Diretos na Economia Nacional e nas Exportações
O café é responsável por cerca de 4% das exportações agrícolas brasileiras. Um aumento descontrolado nos preços, ainda que benéfico a curto prazo para exportadores, pode:
- Reduzir a competitividade internacional do café brasileiro
- Forçar a renegociação de contratos de fornecimento
- Gerar excedente interno não absorvido pelo mercado nacional
Por outro lado, o encarecimento pode estimular a inovação nas lavouras, com investimento em tecnologia de irrigação, manejo sustentável e adaptação varietal.
8. Estratégias das Marcas: Como 3Corações e Melitta Estão Se Posicionando
As torrefadoras não se pronunciaram oficialmente, mas seus movimentos indicam estratégias claras:
- 3Corações tem apostado em produtos premium, cápsulas e cafés especiais, diversificando a linha e criando margem para novos preços.
- Melitta reforça sua presença no varejo de massa, mantendo apelo popular com redes de supermercados e embalagens econômicas.
Essa diferenciação de estratégias pode determinar quem conseguirá reter consumidores em um cenário de recessão e alta sensibilidade de preço.
9. O Café Como Termômetro Econômico do Brasil
O aumento nos preços do café, promovido por Melitta e 3Corações, não é um evento isolado, é reflexo de uma cadeia de fatores que envolve clima, geopolítica, logística, consumo e economia doméstica.
O café se torna, portanto, um termômetro preciso da instabilidade econômica brasileira, refletindo de forma direta os desafios enfrentados por produtores, indústrias e consumidores.
A longo prazo, o Brasil terá que reavaliar políticas de incentivo agrícola, práticas sustentáveis e relações comerciais internacionais para garantir a sustentabilidade da cadeia cafeeira.