Sim, existe o risco de faltar café até a próxima colheita brasileira, segundo avaliação de Haroldo Bonfá, diretor da Faros Consultoria.

O alerta se apoia na combinação de três vetores: o tarifaço imposto pelo governo de Donald Trump às exportações do Brasil, que reconfigura destinos e pressiona cotações; a forte volatilidade nos contratos futuros de Londres e Nova York, com queda semanal recente próxima de 3%; e a necessidade de alongar o estoque da safra atual até a entrada da próxima, em um momento em que as remessas do Brasil aos Estados Unidos entre 1 e 25 de agosto despencaram 47%.

Mesmo com a entrada de novas safras do Vietnã a partir de novembro e da Colômbia em dezembro, o reforço não deve compensar integralmente as perdas do lado brasileiro, sobretudo no arábica.

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Para o consumidor americano, um salto de cerca de 50% no custo da matéria-prima tende a reverberar nos preços finais, ainda que a demanda se mantenha firme por ser inelástica. A orientação ao produtor é pragmática: vender por janelas de oportunidade garantindo rentabilidade, sem comprometer a duração do café até a próxima safra.

Ficou claro o que está em jogo. O que falta agora é entender como cada peça se move e quais decisões reduzem o risco de ruptura.

café vai acabar
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O que o tarifaço muda de fato

Como um imposto redesenha um mercado inteiro

Um aumento tarifário aplicado ao café brasileiro nos Estados Unidos afeta pelo menos quatro camadas do sistema:

  • Precificação na origem
    Eleva o custo efetivo de colocar o produto no destino, exigindo renegociação de prêmios e descontos ao longo da cadeia.
  • Rota comercial
    Força a busca por mercados substitutos para um volume anual que orbitava entre sete e oito milhões de sacas. É aqui que entram alternativas como o redirecionamento via Canadá e México, países com histórico comercial com o Brasil e com a possibilidade de processar o café antes do acesso ao consumidor norte-americano.
  • Volatilidade nas bolsas
    O mercado futuro reflete a soma de notícias, expectativas e reposicionamentos, e as variações semanais mais recentes, próximas de 3% no acumulado, sinalizam um ajuste nervoso, não um novo patamar estabilizado.
  • Elasticidade da demanda
    A despeito de um encarecimento de aproximadamente 50% na matéria-prima e da previsível pressão sobre o preço ao consumidor nos EUA, o consumo não cede com facilidade por razões comportamentais e de hábito. Em termos econômicos, o café tem demanda inelástica.

A queda nas exportações brasileiras para os EUA

Entre 1 e 25 de agosto, as remessas brasileiras encolheram 47% para o mercado americano. A retração é a fotografia instantânea de um corredor que enrijeceu subitamente, ao mesmo tempo que a origem precisa preservar café no armazém para atravessar o ciclo até a próxima colheita.

Por que pode faltar café até a próxima colheita

faltar café até a próxima colheita
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O raciocínio por trás do alerta

Haroldo Bonfá, diretor da Faros Consultoria, une evidências de mercado, calendário agrícola e comportamento de agentes econômicos para compor o diagnóstico.

Há um estoque finito disponível nos armazéns, uma demanda externa que segue firme apesar da alta de custos e uma rota principal, a dos Estados Unidos, que deixou de absorver o volume de costume no intervalo mais recente de medição. Se o produtor se desfizer de café demais agora, faltará produto para honrar compromissos e aproveitar preços possivelmente melhores adiante.

Daí a orientação tática de vender quando a janela for remuneradora, mas sempre de forma fracionada, assegurando a duração do estoque até a próxima safra.

Por que novas safras não anulam o efeito

As colheitas do Vietnã, esperadas para avançar a partir de novembro, e da Colômbia, a partir de dezembro, trazem alívio localizado, mas não o suficiente para recompor integralmente as perdas brasileiras, especialmente no arábica. O resultado provável é a manutenção de preços em patamar elevado até a entrada da nova safra do Brasil.

Linha do tempo dos eventos que sustentam o risco

MarcoO que aconteceuEfeito principal
Definição do tarifaço pelos EUAAumento tarifário às exportações brasileirasAlta de custo e busca de rotas alternativas
Entre 1 e 25 de agostoExportações do Brasil aos EUA caem 47%Redirecionamento imediato de embarques e pressão sobre estoques
Últimos dias antes de 5 de setembroVolatilidade acentuada e perdas semanais próximas de 3% nos contratos futurosMercado mais reativo a rumores e dados parciais
NovembroEntrada da safra do VietnãAlívio parcial
DezembroEntrada da safra da ColômbiaAlívio parcial adicional
Próxima safra do BrasilReposição plena de oferta domésticaTendência de normalização, a depender do balanço global

Efeitos no consumidor dos Estados Unidos

Se o custo da matéria-prima sobe cerca de 50%, a tendência é de pressão sobre o preço final. Essa transmissão não é imediata nem uniforme, mas, num horizonte razoável, parte relevante do choque chega às gôndolas.

Ainda assim, o especialista lembra que a demanda por café é inelástica: as pessoas mantêm o consumo mesmo quando o preço sobe, seja por hábito, seja pelos benefícios percebidos, tanto para a saúde como para o bem-estar emocional. Em outras palavras, o consumidor resiste a cortar a bebida, o que sustenta a tração do mercado.

Porque o mercado futuro oscila

O papel de Londres e Nova York

Os contratos futuros, negociados nos principais centros, funcionam como um termômetro que capta expectativas. Em períodos de incerteza regulatória e reconfiguração de rotas comerciais, rumores e notícias ganham peso e provocam movimentos bruscos, em uma dinâmica que, recentemente, resultou em perdas acumuladas próximas de 3% numa semana.

Essa volatilidade não significa necessariamente piora permanente. Indica, antes, que os agentes estão recalculando risco e prêmio em tempo real, à medida que chegam informações sobre tarifas, volumes embarcados e planos de escoamento alternativo.

Cenários de curto prazo que cabem no que se sabe hoje

Sem extrapolar além do noticiado, três cenas compatíveis com os fatos emergem:

  1. Redirecionamento gradual de embarques brasileiros
    Parte do volume que iria aos Estados Unidos busca outros destinos, inclusive com triangulação via parceiros regionais. A adaptação leva tempo, durante o qual a disponibilidade doméstica precisa ser dosada com rigor.
  2. Preços sustentados até a entrada da nova safra
    Com alívio apenas parcial de Vietnã e Colômbia a partir de novembro e dezembro, a tendência é de preços elevados até que a próxima safra brasileira mude o balanço.
  3. Ritmo de vendas pautado por janelas de oportunidade
    Produtores capitalizados evitam liquidação e preferem vender por tranches quando a remuneração compensa, mantendo café disponível para o restante do ciclo.

Como a comunicação transparente reduz ruído e protege margens

Em períodos de tarifaço e volatilidade, o produtor que comunica de forma clara seus critérios de venda ao parceiro comercial costuma capturar dois ganhos: previsibilidade de caixa e reputação.

Dizer o que fará quando o preço atingir determinados níveis de remuneração retira do jogo parte da ansiedade e eleva a qualidade da negociação. Essa postura conversa diretamente com a recomendação de vender por oportunidade, sem dilapidar o estoque necessário para a travessia.

O que muda no portfólio por tipo de café

A reportagem destaca que o impacto das novas safras externas não compensa a perda brasileira, especialmente no arábica. Esse é um recorte importante, pois aponta para uma pressão mais insistente sobre o segmento de maior valor agregado do Brasil.

Para o gestor de portfólio, pode ser racional priorizar contratos onde a diferenciação do arábica é essencial e usar o restante do estoque de modo mais criterioso, com o objetivo de evitar prazos descasados no fim do ciclo.

Fique por dentro: 3Corações e Melitta Reajustam Preços do Café no Brasil: Entenda os Motivos

O que observar nas próximas semanas

Sem extrapolar o que foi publicado, três sinais merecem atenção:

  • Andamento das conversas comerciais com parceiros alternativos
    Se as triangulações se consolidarem, parte da pressão se dilui.
  • Evolução das curvas futuras nas bolsas
    Oscilações acentuadas ainda são esperadas. Perdas semanais recentes dão a medida do nervosismo.
  • Ritmo de entrada das safras de Vietnã e Colômbia
    O timing e o volume efetivo desses países ajudarão a entender o grau de aperto no arábica até a nova safra brasileira, lembrando que a expectativa é de manutenção de preços altos nesse período.

Questões de política pública e diplomacia comercial

O tarifaço é uma decisão unilateral do lado americano, com efeitos de segunda ordem sobre inflação e cadeias de abastecimento nos próprios Estados Unidos.

A reportagem indica que o choque de custo tende a ser parcialmente repassado ao consumidor e que, por ser o café um produto inelástico, o consumo não deve cair de maneira relevante. Logo, negociações governamentais e diálogo com o setor privado norte-americano fazem parte do pano de fundo, ainda que o texto não entre nesses detalhes.

O que interessa ao agente privado brasileiro, hoje, é traduzir essa moldura em decisões operacionais prudentes.

Autor

  • david dias

    Apaixonado por café e entusiasta do universo dos grãos, David Dias é especialista em explorar sabores, métodos de preparo e curiosidades sobre a bebida mais amada do mundo. Com anos de experiência no mercado de cafés especiais, compartilha dicas práticas e informações valiosas para transformar sua experiência com o café. Acredita que cada xícara tem uma história e está aqui para ajudar você a descobrir a sua.

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