Quando o aroma reconfortante do café fresco se transforma em um cheiro estranho e desagradável, semelhante a queijo velho, algo muito errado aconteceu. E a ciência tem a explicação.
Esse fenômeno, apesar de incomum, está se tornando cada vez mais frequente em cafeterias e cozinhas domésticas. Segundo um levantamento da Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC), relatos de cafés com odor rançoso ou fermentado aumentaram 18,4% entre 2023 e 2024. O culpado?
Uma combinação de reações químicas complexas, má armazenagem e processos mal conduzidos na torra e moagem.
Essa alteração sensorial não é apenas um inconveniente, ela pode afetar diretamente a qualidade, o valor comercial e até a segurança do consumo. Reconhecer os sinais e compreender o que desencadeia esse aroma bizarro é fundamental para qualquer apreciador de café ou profissional do setor.
Ao longo deste artigo, você vai descobrir os 7 principais fatores que causam esse defeito, aprender a identificá-lo rapidamente e entender como evitá-lo de forma prática. Se você leva seu café a sério, este conteúdo é essencial.
Origem microbiológica: o papel oculto das bactérias e leveduras
A primeira causa relevante para o surgimento do odor de “queijo velho” no café é microbiológica. Durante a etapa de fermentação dos grãos, especialmente nos cafés naturais (não lavados), micro-organismos como leveduras e bactérias podem proliferar além do ponto desejado.
Isso ocorre, geralmente, quando há falhas no controle de temperatura e umidade durante o pós-colheita. As leveduras podem produzir ácidos voláteis e compostos sulfurados, que lembram o cheiro de queijo mofado ou iogurte azedo.
Exemplo real: Em 2024, um lote premiado de café especial do Cerrado Mineiro perdeu valor comercial após desenvolver aroma rançoso por falha na secagem. A fermentação fora de controle levou à formação de ácido butírico, responsável direto pelo odor ofensivo.
Como evitar: O controle microbiológico exige monitoramento rigoroso das condições de fermentação, secagem em terreiros suspensos e uso de tecnologias como sensores digitais de umidade.

Torra excessiva ou mal conduzida: quando o calor vira vilão
A torra é a fase mais crítica para o sabor final do café. Quando o grão é exposto por tempo excessivo a altas temperaturas, ocorre a degradação de lipídios e proteínas, liberando compostos como metilcetonas e ácidos graxos.
Essas substâncias, se mal balanceadas, se combinam para formar um perfil olfativo fortemente desagradável, lembrando queijo envelhecido.
Você já sentiu um café com gosto queimado e cheiro esquisito, mesmo sendo recente? Provavelmente foi resultado de uma torra mal calibrada.
Dica profissional: Utilize curvas de torra personalizadas, respeitando os tempos de desenvolvimento e evitando o “stall”, fase em que o grão para de evoluir e começa a degradar. Torrar entre 196°C e 204°C para cafés especiais pode prevenir esse problema.
Armazenamento inadequado: o vilão silencioso da despensa
Poucos consumidores percebem, mas o café é extremamente sensível à luz, oxigênio, calor e umidade. Armazenar o pó ou grão em recipientes mal vedados ou em locais quentes (como armários próximos ao fogão) acelera a oxidação dos óleos essenciais.
Com o tempo, essa oxidação gera compostos como ácido isovalérico, o mesmo encontrado em queijos curados.
Dado técnico: Segundo o Centro de Pesquisa em Qualidade do Café da Embrapa, cafés expostos ao ar por mais de 5 dias perdem até 70% do aroma e podem apresentar notas indesejadas em menos de 15 dias.
Recomendações práticas:
- Use embalagens com válvula unidirecional
- Armazene em local fresco, seco e ao abrigo da luz
- Prefira porções pequenas, consumidas em até 10 dias após abertas
Contaminação cruzada: quando o ambiente trai o aroma
Ambientes compartilhados com produtos de odor forte, como queijos, embutidos ou produtos de limpeza, podem contaminar o café por absorção volátil. Os grãos torrados possuem alta capacidade higroscópica, ou seja, absorvem odores e umidade do ambiente com facilidade.
Você já armazenou café perto da cebola ou da ração do cachorro? Acredite, ele absorve tudo.
Curiosidade científica: Pesquisadores da Universidade de Campinas (UNICAMP) demonstraram em 2023 que grãos armazenados próximos a alimentos fermentados absorveram traços de ácido caproico em 48 horas, alterando completamente o aroma do café coado.
Solução simples: Armazene o café em recipientes herméticos, longe de produtos com odores fortes, especialmente em cozinhas pequenas ou despensas integradas.
Água inadequada: o detalhe que muda tudo
Pode parecer estranho, mas a água usada no preparo do café pode interferir diretamente no aroma final da bebida. Águas com excesso de cloro, ferro ou sulfatos podem reagir com os compostos aromáticos do café, distorcendo seu perfil e, em casos extremos, criando notas metálicas, sulfurosas ou fermentadas.

Dados de 2024 da SCA (Specialty Coffee Association): indicam que 71% dos cafés com defeito sensorial grave estavam ligados a águas fora do padrão ideal (pH neutro, minerais entre 75-250 ppm).
Recomendação: Use água filtrada ou mineral com perfil balanceado. Evite água fervente e jamais reutilize a mesma água para múltiplos preparos.
Moagem antecipada: o oxigênio não perdoa
Muitos consumidores preferem comprar café já moído por praticidade, mas essa escolha tem um preço alto: a moagem amplia exponencialmente a área de contato do grão com o ar, acelerando a oxidação.
Com o tempo, isso favorece a liberação de aldeídos e cetonas de cadeia média, justamente os compostos com odor semelhante ao de queijo ou manteiga rançosa.
Insight importante: Um estudo do Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL) comprovou que cafés moídos e armazenados por mais de 7 dias em temperatura ambiente desenvolveram traços de aroma rançoso perceptíveis a provadores profissionais.
Melhor prática: Moa o café na hora. Se não for possível, use embalagens a vácuo e armazene na geladeira por no máximo 5 dias.
Alguns produtores e marcas de baixo custo misturam grãos de diferentes origens e qualidades sem padronização. Isso pode incluir grãos fermentados, danificados ou com excesso de umidade, propensos à geração de odores desagradáveis.
Já notou cafés que parecem mudar de sabor de um pacote para outro, mesmo sendo da mesma marca? Pode ser sinal de blend mal composto.
Relato de 2025: Consumidores denunciaram um café de supermercado por apresentar cheiro de leite azedo. A análise revelou a presença de grãos armazenados com alta umidade, que fermentaram antes mesmo da torra.
Dica de ouro: Invista em marcas que informam a origem dos grãos, colheita e método de processamento. O barato pode sair (bem) caro.
O aroma não mente e o defeito tem solução
O cheiro de “queijo velho” no café não é mito nem exagero sensorial. É um alerta químico de que algo na cadeia do cultivo ao preparo, saiu do controle. Compreender as causas, como vimos neste artigo, é a chave para evitá-lo completamente.
Se você quer um café verdadeiramente prazeroso, aromático e sem surpresas desagradáveis, atenção aos detalhes: procedência, torra, moagem, armazenamento e preparo fazem toda a diferença.
Lembre-se: café é sensorial, científico e, acima de tudo, sensível. Cuide dele como um ingrediente vivo e ele retribuirá com a melhor bebida do seu dia.